O economista António Borges, conselheiro do Governo,
entendeu dever emitir a seguinte opinião: a diminuição dos salários não é uma
política, é uma emergência. Borges, que veio de um desempenho polémico na Goldman
Sachs e no FMI, aparece hoje associado aos dois sectores, o público e o privado,
numa mistura explosiva que aconselharia recato. Por isso subscrevo a tese que
circula por aí: ele fala de mais. Feito o reparo, vamos aos factos.
Se atribuirmos ao PIB dos países da zona euro o valor de
100, o peso das remunerações naquele PIB, salariais e outras, incluindo as
contribuições patronais para a Segurança Social, é em Portugal de 50,2, o que
compara com 51,2 na Alemanha e 48,9 na média do conjunto. E esta relação tem
sido mais ou menos constante ao longo do tempo. Ou seja, tomando como
referência a riqueza produzida, Portugal é dos países que paga salários mais
altos.
O problema está aqui, na tal riqueza produzida. É que, num
outro plano, se tomarmos como referência o rendimento ‘per capita’ dos
diferentes países, já corrigido da paridade do poder de compra, a um valor de
100 na União Europeia correspondem 120 na Alemanha e apenas 77 em Portugal. Não
que os nossos trabalhadores sejam piores do que os outros: o mal está na formação
de base e, já nas empresas, nos meios que estas põem à sua disposição.
A juntar a tudo isto, as famílias portuguesas têm gasto de
mais. A prova está nas duas dívidas, a pública e a externa, com ambas a
excederem o próprio PIB. Ainda que a distribuição injusta deva também ser
ponderada. O contraponto a este despesismo terá de ser, no futuro, gastar de
menos, de modo a repor o equilíbrio – algo que, a meu juízo, vai envolver um
período não inferior a dez anos. E, a esta luz, a redução salarial é
inevitável.
Com isto chegamos às famosas declarações de António Borges,
conselheiro influente e figura de proa de um Governo que, até hoje, mais não
fez do que aumentar os impostos, diminuir os salários, facilitar os
despedimentos e elevar a taxa de desemprego até níveis insuportáveis. Borges
foi conivente – e inconveniente. Eu posso dizer o que ele disse. Ele não. O que
ele disse é verdade. Mas há verdades que o pudor recomenda que não se digam.
Tenho dito.